Roma (Agência Fides) - O século XX, definido pelos históricos como “o século dos totalitarismos”, passará para a História como o “século dos genocídios”. São inúmeras as tentativas, deliberadas e sistemáticas - perpetradas em diversas partes do mundo e em vários períodos do século - de exterminar um povo inteiro, de cancelar seus sinais lingüísticos, culturais e religiosos.
O genocídio dos Judeus será aquele pelo qual o século XX será tragicamente recordado nos livros de história: no âmbito da segunda guerra mundial, (1939-1945), a Europa viveu o Holocausto, o genocídio do povo hebraico. Seis milhões de judeus foram exterminados pela Alemanha de Hitler, no poder desde 1933. A motivação ideológica principal foi o racismo, visto como afirmação da superioridade do povo alemão, considerado de “pura raça ariana”, contra o “inimigo hebraico”. A realização do plano foi possível graças ao fato que Hitler transformou a Alemanha em um estado totalitário. O planejamento científico do massacre teve aspectos terríveis, desumanos: uma verdadeira fábrica de extermínio. O racionalismo macabro da ideologia nazista chegou a ponto de reutilizar material orgânico (como cabelos e próteses dentárias de ouro) dos cadáveres das pessoas mortas nas câmaras a gás. Um Holocausto que a humanidade define “impensável e indescritível”, mas que teve lugar no coração da civilizada Europa moderna.
Antes do genocídio hebraico, houve o do povo armênio, que teve início dos primeiros meses de 1915, com o partido dos Jovens Turcos, oficiais nacionalistas do Império Otomano. O regime planejou atentamente a eliminação dos Armênios. Inicialmente, o plano foi camuflado com o nome de “evacuação militarmente necessária em zonas de guerra”. Em setembro de 1915, o grande genocídio foi considerado terminado: durante a deportação e nos campos de extermínio no deserto sírio, perderam a vida cerca de um milhão e meio de armênios.
Ainda no Oriente Médio, permanece aberta ainda a questão do povo curdo, “nação sem pátria”, povo deslocado em territórios pertencentes à Turquia, Síria, Irã e Iraque. Nos anos da feroz ditadura de Saddam Hussein, os curdos sofreram uma tentativa de faxina étnica, tendo sido vítimas também de armas químicas. O exército iraquiano destruiu aldeias inteiras com dinamite e bulldozer, enquanto a população, estabelecida no Norte do Iraque, foi deportada para áreas desérticas, com o objetivo de extirpá-los de suas terras e cancelar sinais de suas tradições e cultura. A tentativa de genocídio, que deixou milhares de vítimas, foi detida exclusivamente graças à comunidade internacional.
Igualmente grave, por número de mortos, foi um dos genocídios mais recentes, praticado na península indochina: o cambojano, perpetrado pelo regime dos “khmer vermelhos”. O cruel governo do famigerado Pol Pot, líder marxista morto poucos anos atrás, é acusado de ter causado o autogenocídio da própria população: de 1975 a 1979, cerca de dois milhões de cambojanos morreram de fome, doenças, e em conseqüência das violências e execuções dos fanáticos revolucionários maoístas que governavam a Camboja.
Também os povos da China sofreram um massacre de origem ideológica: pelo menos 48 milhões de chineses foram eliminados pelo regime de Mao, entre o “Grande Salto”, as purgas, a revolução cultural e os campos de trabalhos forçados, de 1949 a 1975.
No período de 1965-67, quase um milhão de comunistas na Indonésia do regime de Suharto foram deliberadamente eliminados pelas forças governamentais indonésias. Entre 1974 e 1999, foram eliminados por grupos para-militares pró-Indonésia 250 mil pessoas da população de Timor Leste.
Nesta longa lista de genocídios praticados por razões político-ideológicas deve ser acrescentado também o sofrido no Sudão por 1,9 milhões de cristãos e animistas, mortos em conseqüência do bloqueio imposto pelo governo de Cartum, ao impedir a distribuição de ajudas humanitárias destinadas ao Sul do país. Citamos ainda os genocídios verificados na América Latina, aonde, da Revolução mexicana aos ‘desaparecidos’, às vítimas das ditaduras militares do século XX, estima-se que tenham sido mais de um milhão as vítimas da violência de Estado dos regimes sul-americanos. E ainda, o genocídio na Amazônia: calcula-se que quase 800 mil índios foram mortos em um século, humilhados e explorados.
A respeito de eliminação de grupos étnicos, ao entrar em contato com novas formas de civilização, não se pode omitir o caso dos aborígines australianos. Segundo reconstruções históricas, a partir do século XIX, os indígenas nativos da região da Tasmânia foram sistematicamente mortos como animais, envenenados ou ‘desaparecidos’, com o aval das autoridades governamentais.
Indo atrás na História, o caso dos aborígines recorda um dos genocídios mais antigos da idade moderna: o dos pele-vermelha, na América do Norte. No início do século XVI, quando chegaram os primeiros europeus, a região era habitada por cerca de um milhão de pele-vermelha, divididos em 400 tribos e 300 famílias lingüísticas. O extermínio dos povos indígenas foi praticado sobretudo por exércitos americanos e ingleses, que, querendo se expandir ao interior da América do Norte, expulsaram os nativos americanos de suas terras e propriedades, realizando verdadeiros massacres, sem poupar mulheres e crianças. Hoje, os índios não formam mais uma nação: uma parte integrou-se completamente à civilização branca, enquanto outra vive em algumas centenas de reservas dispersas nos territórios norte-americanos e canadenses.
Em muitos episódios de homicídios de massa, os históricos falam de massacres “genocidários”, que se verificam igualmente em nossos tempos: a situação dos Bálcãs, na Europa; a Ásia, os casos de Tibet, Índia, Bangladesh, Myanmar, Indonésia, Timor Leste, Sri Lanka, Laos, Vietnã; na África, os massacres praticados na Nigéria, Sudão, Ruanda e Burundi, Uganda, Guiné Equatorial, Etiópia; as tragédias de Guatemala, El Salvador, Colômbia, Argentina, Paraguai e Brasil. Todas violências realizadas de forma abrangente, que recordam que a nossa época não é imune do perigo de um genocídio. (PA) (Agência Fides 6/4/2004)