Roma (Agência Fides) - Sobre a questão do testamento biológico publicamos a entrevista do Dr. Paolo Marchionni, Dirigente Médico-Legal, Zona territorial n. 1 de Pesaro, Presidente da Seção de Pesaro da Associação de Médicos Católicos Italianos.
O que pensa de uma lei que sancione o testamento biológico?
Considero que uma norma desse tipo não seja pertinente às necessidades dos pacientes, nem à dignidade da profissão. Tento me explicar com um exemplo. Diante de qualquer pedido de um paciente, o médico deve avaliar - de acordo com “ciência e consciência” - o comportamento a adotar, utilizando os conhecimentos científicos que possui junto com as convicções deontológicas que são os fundamentos da própria profissão, além da visão ética pessoal. Não há necessidade de uma norma quando já existem indicações que derivam da história milenar da profissão médica!
O que entende por acirramento terapêutico?
Creio que essa expressão deve ser entendida como aqueles comportamentos que, no âmbito terapêutico, devam ser inadequados com relação à situação clínica que se apresenta diante do médico e de seu modo de agir. Em outras palavras, é acirramento tudo o que, à luz da ciência médica, não é mais eficaz para se alcançar um determinado objetivo de saúde para aquele paciente, e que pode até piorar a situação. Não se pode definir a priori o que é, mas sim deve se avaliar cada caso, levando-se em consideração a eficácia ou não do tratamento aplicado e também a capacidade de aceitação do paciente para aquele determinado tratamento. Ao contrário, os tratamentos chamados ordinários - como a alimentação, a hidratação e a higiene pessoal - não podem ser considerados acirramento terapêutico, mas sim “cuidados”; não são de fato terapias, mas sim cuidados ordinários, que são assegurados a todos que não podem se cuidar sozinhos (é o caso dos recém-nascidos ou das crianças e também das pessoas em coma). Sendo assim, entendo por acirramento terapêutico todas as situações que não são de fato adequadas às necessidades clínicas de um determinado paciente, não trazendo nenhum benefício, e pior, submetendo-o a tratamentos que tendem a prolongar inutilmente o sofrimento e o padecimento, sem que haja qualquer beneficio para o próprio paciente.
O que entende por eutanásia?
Por esse termo, a tradição médica e a deontológica sempre entendeu como quaisquer atos que tendam a abreviar a vida do paciente, acelerando a morte: e isso, seja com ações com a intenção direta de provocar a morte, seja com omissões que, exatamente em virtude do que é feito, possam acelerar o fim da vida.
No código deontológico estão as respostas necessárias a este problema?
O Código Deontológico de dezembro de 2006 está certamente apto a responder às questões do fim da vida: de fato, ele salvaguarda as escolhas do paciente dentro de alguns limites impostos pela tutela da profissão médica, quando consente ao paciente manifestar sua própria vontade, numa lógica de diálogo e de relacionamento com o médico, e não como imposição de uma vontade “incompetente” diante da “competência” técnica: a qual, no entanto, deve também necessariamente considerar os pedidos legítimos do paciente, que avalia os efeitos que os tratamentos possam ter sobre a sua pessoa e o seu corpo.
No que consiste o conflito entre vontades manifestadas anteriormente pelo paciente e a posição de garantia dada pelo médico?
As vontades anteriores do paciente podem facilmente conflitar com as indicações do médico: é evidente que quem manifesta uma vontade a ser válida num momento posterior, não poderá conhecer antecipadamente as situações no momento em que elas acontecem; situações que, em vez disso, são diretamente conhecidas e claras para o médico que deve tomar as decisões no momento em que elas se tornam necessárias, no interesse do paciente. O tema do chamado “testamento biológico” é na realidade um falso problema, ou melhor, um problema apresentado no debate de maneira falsa. A hipótese de fixar em lei as declarações antecipadas de tratamento não leva em consideração as condições diversas em que o paciente estará do momento em que redigiu as declarações; além disso, já atualmente, o paciente no seu relacionamento com o médico, pode pedir a ele que não seja submetido a tratamentos que considere excessivos para a sua própria capacidade de “suportar”, e também pelo empenho que eles possam determinar no contexto familiar.
Ao longo de sua profissão nunca teve problemas, em relação a denúncias legais, no caso de intervenções contrárias às indicações do paciente mesmo que permitindo salvar a vida ou restabelecer o equilíbrio da saúde ou a suspensão de terapias desproporcionais que levariam a morte do paciente?
Não, mesmo porque a minha profissão de médico-legal, quando muito, coloca-me na posição de apoiar os colegas que possam ter problemas desse tipo.
Pode apontar a diferença entre testamento biológico e planejamento dos tratamentos, no contexto da relação médico-paciente?
Esse é o verdadeiro nó da questão: a relação médico-paciente. Uma relação que se baseia na aliança terapêutica.
A implementação dos tratamentos paliativos e da assistência domiciliar, das casas de internação permanente e dos Hospice podem ser uma resposta para a eutanásia e o abandono terapêutico? Como se apresenta a sua realidade geográfica sob esse ponto de vista?
Certamente sim. A adequação dos tratamentos paliativos, e em especial a terapia da dor, a assistência domiciliar, a criação de hospices são sem dúvida modalidades para ajudar os pacientes muito graves a enfrentar a doença e a aproximação da morte. A realidade geográfica em que trabalho - le Marche - está infelizmente atrasada nesse aspecto; os hospices não existem, a terapia da dor é praticada de maneira não sistemática por ótimos profissionais que no entanto - obviamente - não podem garantir os cuidados necessários a todos os pacientes que precisam. Creio que a política deva finalmente encarregar-se das necessidades dos pacientes quanto à implementação dos tratamentos paliativos: em vez de empregar recursos e perder tempo com inúteis e extenuantes discussões sobre testamento biológico, autodeterminação do paciente, diminuição do papel dos médicos em relação à vontade do paciente, a política deveria assegurar os recursos necessários para providenciar - ou adequar - as instalações para a assistência aos pacientes graves. De resto, a atividade do médico e do agente de saúde deverá ser fiel às escolhas terapêuticas aplicadas com “ciência e consciência”; e pela palavra “ciência” devemos entender a bagagem cultural partilhada com os outros que praticam a mesma arte da saúde e a atualização à luz das mais recentes evoluções, a “consciência” é o fruto dessas escolhas - individuais certamente, mas também partilhadas por todos os profissionais - que durante séculos se perpetuaram, iluminando e orientando toda a ação dos médicos.
Se o Juramento de Hipócrates, há mais de 2500 anos, estava apto a afirmar “Jamais, motivado pela respeitosa insistência de alguém, receitarei medicamentos letais, nem cometerei nunca atos desse tipo”, ainda mais hoje, quando os conhecimentos científicos põem a disposição, por um lado, tratamentos eficazes para conter a dor, e por outro, instrumentos de avaliação e de tratamentos voltados para a recuperação de pacientes mesmo que muito comprometidos, a medicina deverá posicionar-se como meio de tutela e de salvaguarda daqueles que, mais fracos e frágeis, necessitam de um maior apoio e de mais cuidados. E quando não for mais possível “tratar” no sentido terapêutico e médico, deverá sempre ser possível “cuidar”: em outras palavras, estar apto a passar de to cure para to care, e assegurar a todos os pacientes, mesmo aos mais graves, a dignidade dos últimos dias.
(10 - continua) (D.Q.) (Agência Fides 27/2/2008)