VATICANO - Bento XVI preside a Santa Missa e a Procissão de Corpus Domini: “ajoelhar-se diante da Eucaristia é profissão de liberdade: quem se inclina para Jesus não pode e não deve prostrar-se diante de nenhum poder terreno”

Sexta, 23 Maio 2008

Cidade do Vaticano (Agência Fides) “Após o tempo forte do ano litúrgico, que concentrado na páscoa, se prolonga por três meses (primeiro os 40 dias da quaresma, depois os 50 do tempo pascal), a liturgia nos faz celebrar três festividades que têm, por sua vez, caráter ‘sintético’: a Santíssima Trindade, o Corpus Christi, e enfim, o Sagrado Coração de Jesus. Qual é o significado, a característica desta celebração de hoje, do corpo e do sangue de Cristo? A própria celebração que estamos realizando, em seus gestos fundamentais, no explica: antes de tudo, estamos reunidos ao redor do altar do Senhor para estarmos juntos em sua presença; em segundo lugar, haverá uma procissão, ou seja, ‘caminharemos com o Senhor’, e enfim, o nos ajoelharemos diante do Senhor. A adoração, que se inicia na Missa e acompanha toda a procissão, tem seu ápice no momento final da benção eucarística, quando todos nos prostraremos diante d’Aquele que se inclinou a nós e deu sua vida por nós. Vamos agora nos concentrar brevemente nestes três gestos, para que expressem realmente a nossa fé e nossa vida.
O primeiro ato, portanto, é o de nos reunirmos diante do Senhor. É o que se chamava, antigamente, ‘statio’. Imaginemos, por um momento, em toda Roma exista exclusivamente este altar, e que todos os cristãos da cidade tenham sido convidados a se reunir aqui, para celebrar o Salvador morto e ressuscitado. Isto nos dá uma idéia do que era a celebração eucarística em suas origens, em Roma e em outras várias cidades nas quais a mensagem evangélica chegava. Em cada Igreja particular, existia um só Bispo e ao redor d’Ele, ao redor da Eucaristia que ele celebrava, constituía-se uma comunidade, única, porque havia apenas um Cálice abençoado e um Pão compartido, como ouvimos nas palavras do apóstolo Paulo, na segunda leitura.
Retorna em meu pensamento a outra célebre expressão paulina: “Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus”. “Vós sois um!” nestas palavras sentimos a verdade e a força da revolução cristã, a revolução mais profunda da história humana, que se experimenta justamente ao redor da Eucaristia, onde se reúnem, diante do Senhor, pessoas de idades, sexos, condições sociais e idéias políticas diferentes. A Eucaristia não pode ser nunca um fato pessoal, reservado a pessoas escolhidas por afinidades ou amizades. A Eucaristia é um culto público, que não tem nada de exotérico, de exclusivo. Nós também, hoje, não escolhemos com quem nos encontraremos. Viemos e nos encontramos, uns ao lado dos outros, unidos pela fé e chamados a nos tornar um só corpo, compartindo o único pão que é Cristo. Somos unidos, acima de nossas diferenças de nacionalidade, de profissão, de faixa social, de idéias políticas: abrimos-nos uns aos outros para nos tornarmos uma coisa só, a partir d’Ele. Desde o início, esta sempre foi uma característica do cristianismo, realizada visivelmente ao redor da Eucaristia. É preciso sempre estar atentos para que as recorrentes tentações do particularismo, mesmo que em boa fé, não caminhem em direção oposta. Portanto, Corpus Christi nos recorda antes de tudo que ser cristãos significa reunir-se, de todos os lugares, para estar na presença do único Senhor e nos tornarmos, n’Ele, uma só coisa.
O segundo aspecto constitutivo é o ‘caminhar com o Senhor’. É a realidade expressa pela procissão, que faremos juntos após a Santa Missa, quase como a sua continuação, movendo-nos atrás d’Aquele que é o Caminho. Com o dom de si mesmo na Eucaristia, o Senhor Jesus nos liberta de nossas ‘paralisações’, nos faz levantar de novo e ‘proceder’, ou seja, darmos um passo à frente, depois outro passo, até que nos colocamos em caminho, com a força deste pão da vida. Como aconteceu com o profeta Elias, que se refugiou no deserto com medo de seus inimigos e decidiu deixar-se morrer. Mas Deus o despertou do sono e lhe fez encontrar a seu lado um pão quente: “Levanta e come - disse - porque o teu caminho ainda é longo”. A procissão de Corpus Christi nos ensina que a Eucaristia nos quer libertar de todo o desanimo e desconforto; nos quer despertar para que possamos retomar o caminho com a força que Deus nos dá, mediante Jesus Cristo. É a experiência do povo de Israel no êxodo do Egito, a longa peregrinação através do deserto, de que nos falou na primeira Leitura. Uma experiência que para Israel é constitutiva, mas que resulta exemplar para toda a humanidade. Com efeito, a expressão “o homem não vive só de pão, mas ... daquilo que sai da boca do Senhor” é uma afirmação universal, que se refere a todo homem, como homem. Cada um pode encontrar o seu caminho, quando encontra aquele que é Palavra-Pão de vida e se deixa guiar pela sua presença amigável. Sem o Deus-conosco, o Deus próximo de nós, como podemos sustentar a peregrinação da existência, seja singularmente como sociedade e família dos povos? A Eucaristia è o Sacramento de Deus que não nos deixa sozinhos no caminho, mas se coloca ao nosso lado, a nos indicar a direção. De fato, não é suficiente ir adiante, é preciso ver aonde ir! Não basta o progresso, se não houver critérios de referência. Ao contrário, se sairmos fora do caminho, corremos o risco de cair num precipício, ou de afastarmo-nos sempre da meta. Deus nos criou livres, mas não nos deixou sozinhos: Ele mesmo se fez ‘caminho’ e veio caminhar junto conosco, para que nossa liberdade tenha também o critério para identificar o caminho certo e percorrê-lo.
A este ponto, temos que pensar no início do decálogo, nos dez mandamentos, onde está escrito: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face”. Encontramos aqui o sentido do terceiro elemento constitutivo do Corpus Christi: ajoelhar-se em adoração diante do Senhor. Adorar o Deus de Jesus Cristo, que se fez pão partido por amor, é o melhor remédio, o mais radical contra as idolatrias de ontem e de hoje. Ajoelhar-se diante da Eucaristia é profissão de liberdade: quem se inclina a Jesus não pode e não deve se prostrar diante de algum poder terreno, por mais forte que seja. Nós cristãos nos ajoelhamos somente diante do Santíssimo Sacramento, porque nele, sabemos e acreditamos estar presente o único e verdadeiro Deus, que criou o mundo e o amou tanto ao ponto de dar o seu Filho unigênito. Prostramos-nos diante de um Deus que primeiramente se inclinou ao homem, como Bom Samaritano, para socorrê-lo e dar-lhe vida, e se ajoelhou diante de nós para lavar nossos pés sujos. Adorar o Corpo de Cristo quer dizer acreditar que ali, naquele pedaço de pão, está realmente Cristo, que dá o verdadeiro sentido à vida, ao imenso universo como a menor das criaturas, a toda a história humana, assim como à mais breve existência. A adoração é oração que prolonga a celebração e a comunhão eucarística e em cuja alma continua a nutrir-se: se nutre de amor, de verdade, de paz; se nutre de esperança, porque Aquele diante do qual nos prostramos não nos julga, não nos oprime, mas nos liberta e nos transforma.
Eis porquê reunir-se, caminhar, adorar, nos enche de alegria. Fazendo nossa a atitude adorante de Maria, que neste mês de maio recordamos de modo particular, rezamos por nós e por todos; rezamos por todas as pessoas que vivem nesta cidade, para que possa conhecer-Te, oh Pai, e Aquele que nos mandaste, Jesus Cristo. E assim, termos vida em abundância. Amén”.


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