VATICANO - “Foi-lhes dito, mas lhes digo...” - artigo do prof. Michele Loconsole sobre a defesa da oração “Oremus et pro Iudaeis” da Sexta-feira santa, do rabino Jacob Neusner

Quarta, 26 Março 2008

Cidade do Vaticano (Agência Fides) - Desde julho passado, após a publicação do Motu proprio de Bento XVI “Summorum Pontificum”, que a polêmica entre judeus e católicos começou a aumentar, por causa da nova fórmula da oração presente no antigo rito de Sexta-feira Santa, conhecida como “Oremus et pro Iudaeis”.
Qual o motivo da contestação? O antigo texto em latim convidava a rezar pelos judeus “para que o nosso Deus e Senhor retire o véu de seus corações, para que eles também reconheçam em Cristo Jesus, nosso Senhor”. A oração prosseguia com as palavras “Deus todo-poderoso e eterno, que não rejeite de tua misericórdia nem a perfídia judaica, atenda às nossas orações; a fim de que, reconhecida a verdade de tua luz, que é Cristo, sejam libertos de suas trevas. Pelo mesmo Cristo Senhor nosso, Amén”. Até aqui, o antigo texto, modificado recentemente pelo Papa, é: “para que Deus e Senhor nosso ilumine seus corações para que reconheçam Jesus Cristo salvador de todos os homens”; e a oração em: “Deus todo-poderoso e eterno, que quer que todos os homens se salvem e obtenham o conhecimento da verdade, concedei em tua bondade que, entrando a plenitude de povos em tua Igreja, Israel inteira seja salva. Por Cristo, nosso Senhor. Amén”.
Por que esta alteração? Segundo a revista “La Civiltà Cattolica”, “no atual clima de diálogo e de amizade entre a Igreja católica e o povo judaico, nos pareceu justo e oportuno que o Papa fizesse esta alteração, para evitar qualquer expressão que pudesse parecer minimamente como uma ofensa ou uma tristeza aos judeus”. Com efeito, as palavras da precedente fórmula que para muitos - judeus e católicos - pareciam ofensivas eram, sobretudo perfídia e cegueira. Ambas retiradas da nova fórmula.
Pois bem, observando, a nova oração pelos judeus na liturgia do rito antigo não empobrece, mas enriquece de sentido a oração do rito moderno. Em uma liturgia perenemente viva, come a católica, os dois ritos, antigo e moderno, podem efetivamente co-habitar. Esta convivência pode até mesmo resumir-se em um único rito romano, recolhendo o melhor de ambos. Este pensamento já foi expresso, em 2003, pelo então Cardeal Ratzinger, quando escreveu uma carta a um importante expoente do tradicionalismo lefrevirano, o filólogo alemão Heinz-Lothar Barth.
Naturalmente, a nova fórmula da oração não vale apenas para a liturgia do rito antigo, e portanto, em quase todas as igrejas católicas, na Sexta-feira santa, continuou-se a rezar pelo judeus com a fórmula do Missal de Paulo VI de 1970, segundo a qual, como se sabe, reza-se pelos judeus a fim de que Deus “os ajude a progredir sempre no amor e na fidelidade à sua aliança”.
Se até aqui a posição é a católica, o que dizem os judeus? Enquanto o mundo rabínico europeu elevou numerosas e duros protestos contra a iniciativa do Papa, o americano se demonstrou muito mais razoável. Basta citar Jacob Neusner, rabino muito citado por Bento XVI em seu célebre livro “Jesus de Nazaré”. Neusner, com um raciocínio pacato e correto, afirmou que “Israel reza pelos gentios. Por isso, também as outras religiões monoteístas, inclusive a Igreja católica, têm o direito de fazer a mesma coisa, sem que ninguém se ofenda. Qualquer outro comportamento diante dos gentios impediria a estes o acesso ao único Deus revelado a Israel na Torá”. A oração católica manifesta o mesmo espírito altruísta que caracteriza a fé judaica.
A oração judaica citada por Neusner é rezada nas sinagogas três vezes por dia, e não como a católica, uma vez por ano. O texto é extraído do Authorised Daily Prayer Book das United Hebrew Congregations of the British Empire (London, 1953), volume que contém a tradução inglesa de uma oração pela conversão dos gentios. Neste texto, “Israel agradece Deus por tê-lo feito diverso das outras nações, e pede que o mundo seja levado à perfeição, quando toda a humanidade evocará o nome de Deus ajoelhando-se diante d’Ele”. A oração que pede a conversão de “todos os ímpios da terra” tem um paralelo num trecho das Dezoito Bênçãos, no qual se pede a Deus que elimine o “domínio da arrogância”. Na conclusão, quando Israel se reúne em oração, pede a Deus que “ilumine o coração dos gentios”. E conclui: “as orações de proselitismo judaicas e cristãs têm em comum o mesmo espírito escatológico e mantêm a porta da salvação aberta para todos os homens”.
Podem ter sido estas as razões pelas quais o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, pôde dizer, em Baku, que “a Igreja católica pede reciprocidade aos judeus sobre as questões que podem criar atrito entre as duas confissões, em especial sobre a controversa oração pelos judeus de sexta-feira santa contida na nova missa em latim, porque orações que podem ou devem ser modificadas existem em ambas as partes”. E provavelmente, referindo-se justamente às declarações de Neusner, continuou: “muitos expoentes judaicos entenderam bem o sentido da oração que, observamos, se refere a um componente bem específico do mundo católico, que deu um grande passo adiante em relação aos judeus e às antigas orações”. Esta oração, concluiu o Secretário de Estado, se refere a um componente do mundo católico: não é a grande oração da Sexta-feira santa de todo o mundo católico.. (5 - continua)
(Agência Fides 26/3/2008)


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